19 maio 2006

Orgasmo nas Cataratas



Parte I

Abro os braços e deixo a energia ser absolvida pelo meu corpo através de minha pele. A pele responde. Sinto arrepios subir pelo corpo. Um sentimento de leveza e bem-estar me invade. Estou ao lado, no precipício chamado "Garganta do Diabo" – uma das principais partes da anatomia do corpo das Cataratas do Iguaçu. Não penso nada. Sinto. Aprendo sentindo.



As Cataratas conversam comigo. Meus olhos se abrem e eu vejo coisas. Vejo, pela primeira vez que as Cataratas são realmente femininas. Não é só um acidente de gênero de substantivos. Ela, as Cataratas, é feminina. Não pelo mesmo motivo que mesa, cadeira ou tábua sejam, femininas. Coisas assexuadas classificadas como femininas por convenção.

Quando digo que as Cataratas são femininas me refiro ao princípio feminino. Em um minúsculo óvulo, no universo ou no multiverso, tudo é regido por dois princípios: o feminino e o masculino. O ying e o yang do Tao. Revelando-se a mim como feminina, as Cataratas me deixam ver e sentir sua feminilidade – ligada à reprodução, à manutenção da vida, ao aleitamento, à amamentação. Vejo seu sexo. Sinto seu gozo. Exploro sua púbis. Acaricio seus verdes pelos pubianos. Ela gosta e se revela mais.

Na cavidade sexual da Mãe Cataratas, desemboca o rio Iguaçu – este que se me dá a entender como masculino. No encontro do rio com a Garganta, acontece a fecundação. Brota vida. Nasce a respiração que sinto na pele. O gozo sobe em forma de vapor branco. Lança-se ao espaço. E é perene esse gozo. É constante. É uma felicidade eterna. Para aqueles que são permitidos entrar nesse gozo, um pouquinho dele sobra em forma de orvalho. O resto se cristaliza em esplêndidos arco-íris.

Da sagrada e pulsante Yoni das Cataratas, vejo a mata verde que lhe protege a cavidade. De dentro da Yoni, de onde sai o gozo da vida, assisto o voar de centenas de pássaros – são os taperuçus de cascata –que dançam no gozo vaporoso; elevam-se aos céus, até onde o vapor chega e de lá, despencam, de cabeça, como se fossem setas a apontar para a origem da grande sensação. Os incautos dizem que os taperuçús têm vôos suicidas. Enganam-se. Não é um vôo suicida. É um mergulho na vida – na própria vida. É um eterno criar, a dança da vida que é o encontro da Yoni/Cataratas com o Lingham/Iguaçu. Da Yoni / Cataratas com o Universo. A sublime união.

Os taperuçus, as mais felizes das criaturas, nascem, brincam, caçam insetos no ar, vivem plenamente e morrem na cavidade sexual do princípio feminino do Iguaçu. Seus ninhos estão em pequenos buracos nas paredes rochosas – os poros – no lado interno das coxas da Grande Mãe. Uma gramínea verde resistente cobre as superfícies. Nelas se agarram os taperuçus. Ao voar entre diferentes grupos de gramíneas, os taperuçus transportam suas sementes. É a continuação do grande ato sexual. Na água, em baixo, os dourados vêm desovar e de lá saem os novos douradinhos, resultado da grande atividade sexual que prossegue para sempre.


Enquanto me extasio, percebo que ao meu lado, chegam alguns corpos. Um grupo de corpos. Pela língua falada, entendo que são corpos argentinos, corpos brasileiros, corpos alemães. Eles chegam, olham, apontam máquinas fotográficas, recolhem imagens programadas e saem em bando. Tenho pena deles.

As Cataratas emudecem. Lançam sua poção do engano. Anestesia-lhes a visão. Não viram nada. A maioria pode riscar aquela curiosidade de suas listas turísticas. Vieram, viram e saíram vazios. Fizeram um verdadeiro "tour", no sentido de círculo. Saíram sem entender sequer a topografia física do atrativo turístico. Quantos rios formam as Cataratas? Os guias insistem que o rio é o Iguaçu. Que desemboca no Paraná – com seus esgotos, pesticidas e potamocidas*. Mas o encontro, o encontro ao qual deveriam ter vindo, não aconteceu. O encontro entre os filhos da Terra e a Mãe.


Notas: * Potamos em grego significa rio. Cida ou cídio, dá idéia de assassinato. Homicídio, Infantocídio, "potamocídio". Com esta palavra me refiro ao assassinato de rios cometidos pela civilização especialmente pela técnicas de canalização e aterro de rios e nascentes.
Este texto foi pensado e escrito em 1999, já era o começo da inspiração do livro.
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