04 setembro 2006

Cidades Gêmeas Trigêmeas - Uma viagem de Puerto Iguazu a Barracão via Parque Nacional Iguazu, Andresito e San Antonio

Elas podem ser chamadas de cidades gêmeas ou de cidades tri-gêmeas. São chamadas de cidades gêmeas quando se tem em mente somente as duas cidades que estão no lado brasileiro e que ocupam a pontinha da extremidade Oeste-Sudoeste do Paraná e Santa Catarina: Barracão e Dionísio Cerqueira. As duas cidades brasileiras são tão ligadas entre si, que lembram mais a duas irmãs siamesas. Igual a irmãos siameses, alguns órgãos das duas cidades são compartilhados. 
 
Por exemplo: a Associação Comercial que fica na linha divisória dos dois estados brasileiros e a poucos metros da linha que as divide da irmã misionera – que dizer Argentina. Outro órgão que só uma das cidades tem é o passo de fronteira oficial. 
 
A Policia Federal, a Receita Federal, e os organismos federais que controlam a migração de vírus, parasitas, bactérias na área animal e vegetal estão todos em Dionísio Cerqueira. Voltando ao assunto das gêmeas-trigêmeas, a situação das três cidades é mais complicada ainda. Quando eu enxerguei as duas cidades como siamesas eu também vi a “siamesidade” das três cidades. Não sei se já existiu caso de três crianças nascerem siamesas – agarradas, grudadas. Teríamos então o caso de tri-gêmeas siamesas. Mas é o que acontece aqui. Claro que fronteira é fronteira e como diz o professor Castrogiovanni da Universidade de Santa Maria, a fronteira é um lugar estranho onde há um silêncio enorme. 
 
Só vivendo na fronteira se escuta o murmúrio do silêncio fronteiriço quer seja gêmeo, tri-gêmeo ou de qualquer outra particularidade obstétrica. Conheci a região em certo dia de fevereiro de 2006. Parti de ônibus de Puerto Iguazú, Argentina para Bernardo de Irigoyen. O ônibus saiu às 9h. Embarquei com minha esposa e meus dois filhos pequenos um de sete e outro de cinco anos. O cobrador só cobrou duas passagens. Crianças não pagam. Primeira diferença com o Brasil onde criança paga tudo e querem que família faça turismo. Ao nosso lado sentaram-se um rapaz misionero e um gato preto ainda meio infantil. Durante toda a viagem, o gato era alimentado com bolachas crocantes. Ainda posso ouvir o barulhinho. 
 
Setenta por cento da viagem foi por estrada de chão. Parte do trajeto atravessando o Parque Nacional Iguazú – até próximo a cidade de Andresito, nome que honra um índio guarani que deu um cacete nos bandeirantes em épocas passadas. No caminho embarcam vários brasileiros colonos, mulheres, crianças. A chegada a Bernardo Irigoyen é brusca. O ônibus pára em frente ao complexo aduaneiro argentino. A rua poeirenta. Nada de rodoviária. Antes de passar ao Brasil comemos um sanduíche enorme com ovo – ou huevo em espanhol que na versão local soa mais como güevo. Adoro güevo. 
 
Daí passar a fronteira. O argentino, gendarme sorri. Libera a família. No meio do caminho entre as duas estruturas de controle, uns 50 metros, há uma ponte. Se há ponte, há rio. Chama-se Peperi-guaçu. Isso significa que a fronteira seca termina aqui. Olho para baixo e quase não vejo água. O Peperi-guaçu está lascado aqui na área urbana. Como sempre – por quê? Não sei. Mas o Peperiguaçu é um rio importante e seguirá fazendo a fronteira entre Argentina e Brasil (eu sempre sigo a ordem alfabética, como manda o Mercosul) até sua desembocadura no rio Uruguai – mais pra baixo. 
 
Cheguei ao Brasil. Uma funcionária da Receita Federal está sentada em uma cadeira bem no meio da rua – digamos assim. Ela olha pro meu saco e pergunta o que estou trazendo. Respondo, mostro, tudo bem. Daí pergunto: onde é que eu estou? Ela diz: Santa Catarina. Eu digo: eu quero ir pro Paraná. Pergunto se não há uma bifurcação para que eu entre no Paraná sem passar por Santa Catarina. Não tem jeito, ela diz. O Paraná está na próxima quadra. Que barato! No caminho placas: Banco de Santa Catarina. Prefeitura de Dionísio Cerqueira. Secretaria de Turismo. Turistas em fila à espera de informações sobre como ir para Camboriú. Legal. Entro no centro e nada de Paraná. Moça, pergunto à menina que passa: falta muito para o Paraná? 
 
Ela diz: aqui é Paraná. Vejo um bar aberto. Me sento com a família e começamos a discutir sobre a confusão. O garçom pergunta: quer um macete? Queremos. O garçom disse: olhe para os postes de eletricidade. O poste paranaense é quadrado. O poste catarinense é redondo. Gente, adorei o garçom! Como ele pôde resolver tanta coisa com tão pouco. Daí, à frente de nossos olhos, havia postes quadrados e postes redondos na mesma rua. Como se existisse uma decisão de esbanjar postes. Antes de abrir a boca, o garçom fechou o assunto: um lado desta rua é Paraná o outro é Santa Catarina. 
 
Então, vi a primeira sacanagem. No lado da rua onde eu estava a placa dizia: Rua Sete de Setembro e era seguida por uma linha de postes redondos pintados de verde e amarelo. No outro lado da rua, a placa dizia: Avenida Santa Catarina com uma fileira de postes quadrados pintados de verde e branco. Minha mulher disse: O Paraná tenta puxar o saco de Santa Catarina e os catarinenses não estão nem aí. Acho é pouco! Antes de chegar ao hotel um carro do Rio Grande do Sul para ao meu lado. A gauchinha pergunta: é preciso pegar a faixa para ir Dionísio Cerqueira? 
 
Precisei de cinco minutos para lembrar que faixa é asfalto ou BR. A minha resposta foi: você já está em Dionísio Cerqueira. Os postes redondos são Dionísio e os quadrados... Achamos um hotel razoável. À noite, saímos pela avenida-rua Santa Catarina Sete de Setembro. Os jovens sentados nas calçadas, ouviam música, volume ao todo. Nos dois lados da rua havia turmas. Perguntei a um grupo: as gatas e gatos do Paraná e Santa Catarina que curtem nessa rua-avenida, não se bicam? Por que cada um fica no seu lado? A resposta foi diplomática: não, é só impressão sua. Como é que eu pensei em vencer o silêncio do qual fala o professor Castrogiovanni? 
 
Minha quadra preferida é a que fica próximo ao prédio da Associação Comercial de Barracão e Dionísio Cerqueira. Ao lado, ou em frente, estão os marcos. São de 1920 e celebram o fim do conflito ou melhor “questão de limites” entre Paraná e Santa Catarina. Foi na época do presidente do Brasil Wenceslau Braz, do presidente do Paraná Munhoz da Rocha e do Governador de Santa Catarina Hercílio Luz. Os três são nomes de cidade, de rua e de ponte cada um em seu estado. E a terceira irmã das trigêmeas? 
 
É outra história. Houve uma “questão de limites” entre Brasil e Argentina pelas terras daquela região. Dois heróis se destacaram: o Presidente Roosevelt dos Estados Unidos que foi o arbitro e o advogado argentino Bernardo de Irigoyen. Outros heróis foram os rios e cursos d’ água tanto os que correm para o leste (PR/SC) como os que correm para o Sul – Argentina / Brasil. Mas isso fica para outras viagens.

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